Lideranças de oposição na Câmara dos Deputados vão pressionar o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), a recorrer da decisão da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) para derrubar uma resolução aprovada pelos deputados que sustava na íntegra o andamento na corte da ação penal contra tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
Nesta semana, a Câmara aprovou e promulgou a resolução sob o argumento de que o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) é um dos réus. A Constituição permite a suspensão de ações penais contra parlamentares. No entanto, o texto que recebeu o aval da Câmara tinha brechas para beneficiar outros réus que não são deputados, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, ressaltou no voto dele que a suspensão de ações contra parlamentares, prevista no artigo 53 da Constituição, não se estende a outros investigados. Ele foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux. O julgamento vai até a terça-feira (13), no plenário virtual. Até a publicação desta reportagem, ainda faltava o voto da ministra Cármen Lúcia.
A maioria da Primeira Turma entendeu que a suspensão da ação só vale para Ramagem, mas não para todos os crimes imputados a ele. Apenas os delitos que teriam ocorrido depois da diplomação do deputado — deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado — devem ser revogados até o fim do mandato dele.
Assim, o deputado deve responder pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, associação criminosa armada e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) reclama que o STF “ignora” a Câmara.
“O voto de Alexandre de Moraes é um tapa na cara da democracia. 315 deputados, eleitos pelo povo, votaram pelo trancamento da ação penal. O STF simplesmente ignora. Quando um ministro humilha a Câmara, ele não ataca só o Parlamento. Ele afronta o povo brasileiro”, escreveu Sóstenes nas redes sociais.
Ele prosseguiu e cobrou uma posição de Motta. “Vai defender a soberania do Parlamento ou assistir calado?”, questionou. Na avaliação de Sóstenes, propostas que limitam a atuação do STF podem ganhar celeridade na Câmara a partir de agora. O deputado pretende conversar com líderes partidários na próxima semana para tratar sobre o assunto.
O líder da oposição na Câmara, deputado Luciano Zucco (PL-RS), afirmou que a Casa não vai aceitar “ser reduzida” pelo STF. “O Parlamento não aceitará ser reduzido a um espectador passivo de suas próprias atribuições. A história não absolverá o silêncio cúmplice nem a covardia diante de tamanha afronta”, afirmou.
Para os ministros que votaram no julgamento, o entendimento é de que a Câmara teria extrapolado seus limites constitucionais ao aprovar a paralisação da íntegra da ação.
Dino classificou que a atuação da Casa teve “indevida ingerência” sobre o Judiciário. Além disso, que apenas em regimes tiranos um poder concentra tantas prerrogativas. O ministro ainda disse que a maioria dos parlamentares não pode “dilacerar o coração do regime constitucional” para proteger aliados políticos.
Especialistas avaliam
Especialistas ouvidos pelo R7 afirmam que a decisão da Câmara, de fato, não deve prevalecer, mas que a situação acirra ainda mais a relação entre os Poderes. O advogado André Perecmanis, professor de direito penal na PUC (Pontifícia Universidade Católica), considera que a resolução aprovada pela Casa não tem efeito prático, pois o andamento da ação não deve ter atualizações até o fim do julgamento. Para ele, a sustação da ação, nos termos aprovados pela Câmara, é inconstitucional.
“Representa uma usurpação de competência. É um ato político, mas sem amparo jurídico efetivo”, explicou.
Para a advogada Vera Chemin, especialista em direito constitucional, se na decisão da Câmara for considerada apenas a interpretação literal da Constituição e a ação política, ela poderia ser considerada constitucional.
Contudo, ela explica que a jurisprudência do STF prevê que só devem ser considerados os crimes que teriam sido cometidos pelo parlamentar após a diplomação. Além disso, que uma súmula da corte prevê que a imunidade não se estende a outros réus. Desse modo, para ela, a resolução da Câmara seria inconstitucional.
Na avaliação de Perecmanis, a Câmara até pode recorrer da decisão ao plenário do STF, mas isso não deve surtir efeito. “O Supremo está muito fechado com isso. Vai ter o Kássio Nunes, o André Mendonça e, talvez, o Luiz Fux votando contra. Mas eles não vão conseguir maioria. O que eles querem, óbvio, é esticar essa corda, forçar essa narrativa de que o Supremo está interferindo nos poderes”, finalizou.
Apesar disso, Vera acredita que o STF deveria dar respado à decisão da Câmara para mostrar um “respeito à independência entre os Poderes”, já que a ação na íntegra voltaria a tramitar após o fim do mandato de Ramagem.
“Ninguém ficaria impune. Apenas daria o tempo em que a pessoa exerce o mandato”, ponderou. A especialista ainda defendeu que a ação penal deveria ter sido separada entre aqueles que possuem foro privilegiado ou não, visto que os demais réus não são parlamentares e não possuem as mesmas prerrogativas de Ramagem.
Fonte: R7
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados