Antes dos votos dos ministros, advogados de quatro réus ainda têm de apresentar últimas alegações para rebater acusação da PGR
A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) continua na manhã desta quarta-feira (3) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus do chamado núcleo 1 da trama golpista.
Na terça-feira (2), primeiro dia do julgamento, o ministro Alexandre de Moraes leu o relatório do caso, com um resumo de todas as informações sobre a ação penal, e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou as argumentações contra os réus.
As defesas de quatro réus (Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier e Anderson Torres) se pronunciaram na sessão para rebater as acusações da PGR (Procuradoria-Geral da República).
Nesta quarta, são esperadas as sustentações orais de mais quatro réus (Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto).
Depois da apresentação das defesas, os ministros analisarão questões processuais preliminares, como alegações de incompetência ou suspeição. Só após a decisão sobre essas questões é que o colegiado entrará no mérito da ação, que definirá se os réus serão condenados ou absolvidos.
Durante o julgamento, os ministros da Primeira Turma votarão individualmente, e a decisão final será tomada por maioria. Mesmo após a votação, ainda será possível apresentar recursos ao próprio STF, garantindo o direito de ampla defesa dos réus.
“Impunidade, omissão e covardia não são opções para pacificação”, diz Moraes
Antes de iniciar a leitura do relatório da ação penal no primeiro dia do julgamento, Moraes destacou que “a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação”.
O ministro destacou que a pacificação do país depende do “respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições, não havendo possibilidade de se confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento que significa impunidade e desrespeito à Constituição Federal, e mais, significa incentivo a novas tentativas de golpe de Estado”.
Moraes afirmou que, “existindo provas acima de qualquer dúvida razoável, as ações penais serão julgadas procedentes, e os réus, condenados”. No entanto, ressaltou também que, “havendo prova da inocência ou mesmo qualquer dúvida razoável sobre a culpabilidade dos réus, os réus serão absolvidos”.
“Assim se faz a justiça. Esse é o papel do Supremo Tribunal Federal. Julgar com imparcialidade e aplicar a justiça a cada um dos casos concretos, independentemente de ameaças ou coações, ignorando pressões internas ou externas”, frisou o ministro.
Moraes também fez menção à atuação nos Estados Unidos do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para tentar interferir no andamento da ação penal e às críticas de autoridades americanas ao processo, como o presidente Donald Trump.
“Lamentavelmente no curso dessa ação penal se constatou a existência de condutas dolosas e conscientes de uma verdadeira organização criminosa, que de forma jamais vista anteriormente em nosso país passou a agir de maneira covarde e traiçoeira com a finalidade de tentar coagir o Poder Judiciário, em especial esse Supremo Tribunal Federal, e submeter o funcionamento da corte ao crivo de outro Estado estrangeiro”, lembrou.
“Essa coação, essa tentativa de obstrução, elas não afetarão a imparcialidade e a independência dos juízes desse Supremo Tribunal Federal, que darão, como estamos dando hoje, a normal sequência no devido processo legal, que é acompanhado por toda a sociedade e toda a imprensa brasileiras”, concluiu.
Gonet reforça acusações e pede condenação
Paulo Gonet ressaltou na sua manifestação que todos os réus devem ser condenados pelos crimes dos quais são acusados. Ele frisou que não dá para fingir que são coisas pequenas ou inocentes os planos feitos e executados pelo grupo para causar confusão e desordem na sociedade.
“Os atos que compõem o panorama espantoso e tenebroso da denúncia são fenômenos de atentado com relevância criminal contra as instituições democráticas”, destacou Gonet, acrescentando que o simples fato de o golpe militar ter sido cogitado já configura um crime.
“Para que a tentativa se consolide não é indispensável que haja ordem assinada pelo presidente da República para adoção de medidas explicitamente estranhas à regularidade constitucional”, disse.
Segundo Gonet, os advogados dos réus não conseguiram demonstrar argumentos para negar o que foi planejado pelo grupo. “Se as defesas tentaram minimizar a contribuição individual de cada acusado e buscar interpretações distintas dos fatos, estes mesmos fatos, contudo, não tiveram como ser negados.”
Ele lembrou que “a organização criminosa documentou a quase totalidade das ações narradas na denúncia por meio de gravações, manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens eletrônicas, tornando ainda mais perceptível a materialidade delitiva”.
“Não há como negar fatos praticados publicamente. Planos apreendidos, diálogos documentados e bens públicos deteriorados. […] Encontra-se materialmente comprovada a sequência de atos destinados a propiciar a ruptura da normalidade do processo sucessório”, salientou Gonet.
Defesa de Cid pede manutenção dos acordos da delação premiada
Os advogados de Mauro Cid, Jair Alves Ferreira e Cezar Bittencourt, sustentaram a validade do acordo de colaboração premiada já homologado pela corte, negaram qualquer coação durante o processo e rejeitaram a versão de que Cid teria omitido informações.
A defesa argumentou que ele prestou todos os esclarecimentos de que tinha conhecimento, com acompanhamento da defesa e do Ministério Público, e que a delação foi decisiva para a investigação.
A defesa também rebateu a acusação de que Cid teria produzido ou repassado conteúdo golpista. Segundo os advogados, não há provas de que ele tenha incentivado, planejado ou executado qualquer ato contra a democracia, tampouco de que tenha participado dos ataques de 8 de janeiro de 2023.
Para os defensores, a acusação da PGR se baseia em uma narrativa genérica, sem nexo causal individualizado. Ressaltaram ainda que críticas ao sistema eleitoral fazem parte da liberdade de expressão e não configuram crime. Com isso, pediram a manutenção integral dos benefícios da colaboração premiada e a absolvição de Mauro Cid por ausência de provas.
Defesa de Ramagem nega existência de “Abin Paralela”
O advogado de Alexandre Ramagem, Paulo Renato Cintra, afirmou que não há provas de que o ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) tenha participado de qualquer ato golpista e pediu sua absolvição.
A defesa disse que documentos com disseminação de narrativa de fraude eleitoral citados pela acusação não configuram provas de atuação golpista. Segundo a defesa, os textos eram anotações pessoais ou compilações de falas públicas de Jair Bolsonaro, sem comprovação de que tenham sido entregues ao então presidente.
Ramagem, segundo o advogado, não usou a Abin para produzir desinformação, não ordenou monitoramentos ilegais e instaurou procedimentos para verificar a legalidade da ferramenta First Mile. Além disso, a defesa destacou que ele deixou o cargo de diretor da Abin em março de 2022, antes dos principais fatos narrados pela acusação.
O advogado alegou que as condutas atribuídas a Ramagem carecem de dolo e de atos concretos, e que as acusações são baseadas em narrativas sem respaldo probatório.
Defesa de Garnier pede anulação da delação de Cid
O advogado do almirante Almir Garnier, Demóstenes Torres, sustentou que não há provas concretas que justifiquem a condenação e pediu a absolvição do ex-comandante da Marinha.
A defesa reclamou que a PGR incluiu, nas alegações finais, fatos que não constavam da denúncia, como o desfile de tanques militares em frente ao Congresso Nacional em agosto de 2021 e a ausência de Garnier na cerimônia de passagem de comando da Marinha em 2023.
O advogado também contestou a credibilidade da colaboração premiada de Mauro Cid, pedindo sua rescisão, o que implicaria a exclusão de elementos dela derivados do processo.
A defesa afirmou que os únicos fatos atribuídos a Garnier foram a assinatura de uma nota conjunta dos comandantes das Forças Armadas, em novembro de 2022, e sua participação em reuniões de dezembro daquele ano — atos que, segundo a defesa, tinham caráter político legítimo e não configuram crime.
A defesa alegou ainda que não há nexo causal entre as condutas de Garnier e os atos de invasão às sedes dos Três Poderes, reforçando que ele não participou de planejamento, mobilização ou execução de qualquer ação golpista.
Também questionou a tentativa da acusação de criminalizar críticas ao sistema eleitoral, afirmando que se tratam de manifestações de liberdade de expressão.
Por fim, pediu a absolvição de Garnier. De forma subsidiária, solicitou que, em caso de condenação, seja aplicado o princípio da consunção, pelo qual o crime de dano ao patrimônio tombado absorveria o de dano qualificado.
Defesa de Anderson Torres alega falta de provas
A defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres pediu absolvição no julgamento, alegando falta de provas e contradições na denúncia da PGR.
O advogado Eumar Novacki destacou que Torres não participou das reuniões do governo em dezembro de 2022 quando planos golpistas teriam sido discutidos, que a chamada “minuta do golpe” circulava na internet antes de ter sido encontrada na casa dele.
A defesa também ressaltou que a viagem de Torres aos Estados Unidos antes dos atos de 8 de janeiro de 2023 foi planejada com antecedência e comunicada ao governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), afastando a tese de omissão deliberada no 8 de janeiro.
Argumentou ainda que, antes de viajar, Torres assinou protocolo de ações integradas para segurança e reuniu autoridades para discutir a desmobilização de acampamentos.
Segundo o advogado, não há indício de dolo golpista, visto que Torres chegou a enviar mensagem pedindo que não deixassem manifestantes chegarem ao STF e condenou publicamente as invasões. Por fim, a defesa enfatizou que a colaboração premiada de Mauro Cid não o implica e que os elementos do processo demonstram a boa-fé do ex-ministro.
Fonte: R7
Foto: Ton Molina/STF