A trágica morte de Juliana Marins, publicitária brasileira que faleceu ao despencar do alto do vulcão Rinjani, na Indonésia, provocou forte comoção nacional e ultrapassou fronteiras, mobilizando autoridades e motivando mudanças em normas do governo federal.
Embora o presidente Lula tenha encontrado respaldo legal para permitir ao Itamaraty o custeio do traslado, a família de Juliana optou por aceitar o auxílio oferecido pela Prefeitura de Niterói (RJ) — cidade natal da jovem —, que arcou com R$ 55 mil para o processo de repatriação.
“Vou revogar esse decreto e farei outro, para que o governo brasileiro possa trazer essa jovem de volta. Conversei com o pai dela”, declarou Lula durante evento público. “Sei que muita gente está acompanhando pela internet o sofrimento dessa moça e da família. Portanto, cuidaremos de todos os brasileiros, estejam onde estiverem.”
Decreto alterado
No dia seguinte à conversa com o pai de Juliana, o presidente assinou um novo decreto, alterando o entendimento anterior sobre o papel do Estado brasileiro na repatriação de cidadãos falecidos no exterior.
Até então, o Decreto 9.199/2017 — regulamentador da Lei de Migração — impedia a União de assumir despesas relacionadas a esse tipo de procedimento.
A assistência consular, mesmo em casos de óbito, restringia-se a apoio burocrático, sem envolvimento financeiro.
Com a nova redação, abrem-se exceções para que o Ministério das Relações Exteriores (MRE) arque com os custos do traslado em circunstâncias excepcionais, desde que observados os seguintes critérios:
- Comprovação de insuficiência financeira da família;
- Ausência de seguro ou vínculo empregatício que cubra repatriação;
- Morte em condições que despertem comoção pública;
- Existência de recursos orçamentários disponíveis.
Apesar da mudança, o texto não contempla ajuda financeira para familiares que desejem se deslocar até o local do falecimento, tampouco detalha os procedimentos para comprovar a renda da família ou mensurar objetivamente o grau de “comoção”.
Medida provisória?
Até o momento, o Itamaraty não divulgou como será feita a regulamentação do novo decreto. Também permanece indefinida a forma de avaliação sobre o que caracterizaria uma “morte comovente” ou os limites da condição financeira que justifiquem apoio estatal.
Na prática, embora represente um avanço na assistência consular, a medida deixa margens para interpretações subjetivas. Além disso, não está claro se haverá aplicação contínua ou se o ato terá caráter pontual.
Para o advogado e professor de direito migratório Wilson Bicalho, a norma, embora traga alívio imediato a algumas famílias, apresenta fragilidade jurídica em sua formulação.
“O uso de expressões como ‘comoção pública’ e ‘incapacidade financeira’, sem parâmetros objetivos, pode gerar decisões desiguais”, afirma.
Ele lembra que legislar com base na repercussão midiática ou em emoções coletivas é sempre arriscado.
“A dignidade de um cidadão não pode ser condicionada à sua visibilidade. Uma norma jurídica deve oferecer universalidade e previsibilidade, garantindo segurança a todos — inclusive aos que não estão sob os holofotes.”
Segundo Bicalho, o risco é que casos semelhantes no futuro não encontrem respaldo equivalente, justamente por dependerem de uma avaliação subjetiva sobre o impacto público da morte.
“Isso cria uma hierarquia de direitos inaceitável. A dor de uma mãe não é menor porque o filho não virou notícia. O Estado deve atuar com base na dignidade humana, não na reação pública. Precisamos de políticas permanentes, equitativas e objetivas — não de exceções simbólicas que alimentam esperança em uns e frustração em muitos”, conclui.
Fonte: R7
Foto: reprodução/@ajulianamarins/Instagram