Experiência impactante deve embasar novas políticas públicas para população em situação de rua na cidade catarinense
O prefeito de Criciúma (SC), Vaguinho Espíndola (PSD), viveu uma experiência incomum e profunda no último dia 10 de julho: passou 20 horas nas ruas da cidade disfarçado como um morador em situação de rua. A vivência, que deveria durar 24 horas, teve como objetivo entender de perto a realidade dessa população e orientar as políticas públicas voltadas a ela.
Maquiado, com barba e peruca postiças, além de roupas rasgadas e aparência descuidada, o chefe do Executivo caminhou pelas ruas de Criciúma sem ser reconhecido — nem mesmo pela própria família. Em determinado momento, passou por sua esposa e dois filhos, que o ignoraram completamente. “Foi quando senti a sensação terrível de ser invisível”, relatou.
Ao longo do dia, Espíndola percorreu áreas conhecidas pela vulnerabilidade social, como o bairro Pinheirinho, onde há concentração de pessoas em situação de rua e pontos de tráfico de drogas. Ele também pediu ajuda em semáforos e chegou a arrecadar quase R$ 6 em moedas, além de ganhar alimentos e um café quente de um menino desconhecido. “O gesto desse garoto me emocionou. Era um dia frio e, mesmo sem saber quem eu era, ele me trouxe uma xícara de café”, contou o prefeito.
Durante a madrugada, quando já dormia sob a marquise de uma igreja no bairro Santa Bárbara, foi abordado por uma equipe da assistência social do próprio município. O agente ofereceu levá-lo para a casa de passagem, mas o reconheceu, encerrando a experiência antes do previsto. Um fotógrafo da prefeitura acompanhou a ação à distância para registrar os momentos sem interferir.
A vivência reforçou, segundo Vaguinho, a complexidade da situação. “Pude ver que a droga não é o principal motivo para alguém ir para as ruas, mas é 100% o motivo que impede essa pessoa de sair delas. O tráfico está infiltrado nessa realidade, e é preciso enfrentá-lo com coragem e estrutura.”
Novas medidas
Com base na experiência, o prefeito anunciou novas medidas para fortalecer a rede de apoio à população em situação de rua. Entre as iniciativas, está o envio à Câmara Municipal de um projeto de lei que prevê a possibilidade de internação involuntária para dependentes químicos em condições extremas de vulnerabilidade.
A Prefeitura de Criciúma já está credenciando 50 vagas em clínicas especializadas para internação e tratamento. O município também conta com uma casa de passagem que oferece alimentação, banho, abrigo e qualificação para o trabalho. Desde o início do ano, o número de pessoas em situação de rua caiu de 280 para 170.
Outro avanço destacado por Espíndola é o aumento nas internações voluntárias: já são 150 vagas preenchidas. Dessas, segundo levantamento recente da prefeitura, seis em cada dez pessoas conseguiram restabelecer os vínculos familiares com o apoio de assistentes sociais e psicólogos, três estão em casas de acolhimento trabalhando, e apenas uma retornou às ruas.
Além disso, o município vai criar um Observatório Municipal de População em Situação de Rua para mapear de forma mais precisa essa população. “Muitos dos que estão hoje aqui não são de Criciúma. Amanhã estão em Florianópolis, depois em São Paulo. Precisamos de dados para agir com mais eficiência.”
“Não é só tirar da rua, é devolver dignidade”
Para o prefeito, a experiência de um dia foi mais do que simbólica — ela revelou a urgência de ações práticas e integradas. “Não se trata apenas de tirar essas pessoas das ruas, mas de dar tratamento, trabalho e esperança. E, acima de tudo, escutar o que elas sentem e enfrentam. Foi uma experiência única e necessária.”
A ação de Espíndola ganhou repercussão nacional nas redes sociais e entre gestores públicos, despertando debates sobre políticas públicas mais humanizadas para a população em situação de rua. Segundo ele, a empatia precisa ser o ponto de partida para decisões de governo. “Só quem sente na pele sabe a dor de ser ignorado.” (Renan Isaltino)
Foto: divulgação