Plano prevê reforço estrutural em fronteiras, portos e áreas dominadas pelo crime; PF avalia que a atual estrutura é insuficiente
Em meio à megaoperação policial realizada na terça-feira (28) nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro — que deixou ao menos 119 mortos e reacendeu o debate sobre o combate ao crime organizado —, o governo federal discute uma ampla proposta de modernização da Polícia Federal.
Segundo apurou o R7, a discussão ocorre num momento em que o próprio efetivo da PF reconhece que a estrutura atual é insuficiente para lidar com a complexidade do crime organizado, sobretudo em territórios de fronteira e nas áreas sob influência direta de facções e milícias.
O plano, em análise no Ministério da Justiça e Segurança Pública, prevê uma reestruturação institucional considerada estratégica e urgente para ampliar a presença da PF em áreas dominadas por facções e fortalecer a atuação do Estado em fronteiras, portos e regiões sensíveis que funcionam como vetores da criminalidade organizada.
O projeto, ao qual o R7 teve acesso, é descrito internamente como uma “modernização estrutural abrangente”, cujo objetivo central é dotar a PF de maior capacidade técnica, operacional e de inteligência diante do avanço do crime transnacional, da corrupção e dos ilícitos ambientais.
A proposta prevê a criação de novas coordenações estratégicas, a instalação de delegacias em regiões hoje desassistidas e o fortalecimento das superintendências nos estados com maior demanda por investigações complexas, como Rio de Janeiro e São Paulo.
Em documentos internos, a corporação classifica a reestruturação como uma “medida imprescindível” para corrigir distorções históricas, eliminar gargalos administrativos e garantir respostas mais rápidas e integradas.
Eixo principal: fronteiras e portos
Um dos pilares do plano é a criação da Coordenação-Geral de Fronteiras, que passará a centralizar o planejamento e a supervisão das ações da PF nos 16.886 km de fronteiras terrestres do Brasil com dez países.
A estrutura da coordenação incluiria três divisões geográficas — Arco Norte, Arco Central e Arco Sul —, que abrangeriam as diferentes faixas territoriais do país, além de um Serviço de Planejamento Integrado e setores de apoio administrativo e de gestão de dados.
Atualmente, segundo fontes da própria instituição, a ausência de uma estrutura dedicada compromete a eficácia das operações e favorece a atuação de redes criminosas envolvidas em tráfico de drogas e armas, contrabando e crimes ambientais.
Outra mudança de grande impacto é a transformação da Coordenação de Polícia Marítima em Coordenação-Geral de Polícia Marítima e Segurança Portuária.
A nova unidade atuará nas 256 instalações portuárias do país, responsáveis por 95% do comércio exterior, com foco no combate à infiltração do crime organizado, especialmente ao tráfico internacional de drogas.
Nos oito primeiros meses deste ano, ao menos 14 toneladas de entorpecentes foram apreendidas em portos brasileiros — um dado que, segundo a PF, evidencia a vulnerabilidade estrutural existente.
Fontes que participam das discussões alertam que os portos brasileiros são alvos prioritários do crime organizado internacional, servindo como portas de saída para drogas e mercadorias ilegais e como rotas de entrada para produtos contrabandeados.
A mudança prevê a criação de núcleos especiais de polícia marítima, que atuariam em 25 unidades da PF ao redor do país, incluindo sete capitais estratégicas, reforçando o controle sobre pontos sensíveis do litoral e das hidrovias nacionais.
Expansão territorial e reforço regional
O plano prevê ainda a criação de cinco novas delegacias da PF em Arapiraca (AL), Picos (PI), Sobral (CE), Tefé (AM) e Porto Murtinho (MS), todas localizadas em regiões estratégicas afetadas por rotas ilícitas ou pela ausência de presença estatal.
Porto Murtinho, por exemplo, integra a chamada Rota Bioceânica, que liga o Brasil ao Pacífico e é apontada como um novo corredor do tráfico internacional.
Em paralelo, as superintendências da PF do Rio, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul serão fortalecidas para ampliar a capacidade de coordenação em operações de grande escala.
No Rio, onde a violência urbana e o tráfico de armas e drogas desafiam o poder público, o reforço estrutural é visto como essencial — especialmente após a cobrança do governador Cláudio Castro (PL) por mais apoio do governo federal após a operação desta semana.
Combate ao crime digital e proteção de autoridades
A reestruturação também cria a Coordenação de Repressão a Crimes Cibernéticos de Ódio, voltada a combater o avanço de grupos extremistas e discursos de ódio nas redes sociais. A PF quer padronizar protocolos e ampliar a cooperação internacional para lidar com crimes digitais de natureza transnacional.
Outro eixo prevê o fortalecimento da segurança de autoridades, com a criação de Delegacias de Segurança de Dignitários em São Paulo, Rio e Distrito Federal e núcleos nos demais estados. Hoje, a falta de equipes fixas e protocolos padronizados leva a sobrecarga e improviso em deslocamentos presidenciais e eventos oficiais.
Diagnóstico: estrutura insuficiente e fragmentada
Os documentos obtidos pelo R7 indicam que a Diretoria-Executiva da PF sofre de “sobrecarga gerencial” e de falta de integração entre diretorias e superintendências regionais.
O resultado é uma máquina lenta, com baixa uniformidade administrativa e dificuldade de resposta em situações críticas. Em áreas de fronteira e portos, a fragmentação institucional é apontada como uma das principais causas de ineficiência.
A PF também reconhece carências na gestão de pessoas e na inteligência técnica. Há necessidade de políticas mais robustas de prevenção e valorização do efetivo, que hoje supera 22 mil servidores, além de investimentos em perícia geológica e transformação digital — ferramentas consideradas vitais no combate ao garimpo ilegal e a crimes ambientais.
Fonte: R7
Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil











