Pela primeira vez em pelo menos 15 anos, nenhum cidadão estrangeiro adotou uma criança russa em 2024, segundo dados do Ministério da Educação da Rússia. O episódio marca o fim de uma prática que, ao longo de três décadas, levou mais de 100 mil órfãos russos a famílias no exterior.
A interrupção total das adoções internacionais, noticiada pelo site russo de notícias investigativas IStories, reflete uma série de restrições impostas pelo governo de Vladimir Putin nos últimos anos, intensificadas por tensões geopolíticas com o Ocidente.
A decisão foi antecipada no verão de 2023 pela Comissária dos Direitos da Criança, Maria Lvova-Belova, que apontou a “situação internacional” e as “mudanças nas relações bilaterais com países ocidentais” como justificativas para o fim das adoções estrangeiras.
Desde então, todos os escritórios de organizações sem fins lucrativos estrangeiras voltadas à adoção foram fechados no país, segundo o IStories.
Em novembro de 2024, as autoridades russas deram um passo além, proibindo cidadãos de países onde a mudança de gênero é permitida de adotar crianças russas — medida que se somou a restrições anteriores, como a proibição de adoções por casais do mesmo sexo em 2013 e por pais solteiros de nações que reconhecem o casamento homoafetivo, em 2014.
Restrições históricas
O marco inicial dessa política restritiva veio em 2012, com a chamada “Lei Dima Yakovlev”, que baniu cidadãos americanos de adotar crianças russas. A legislação, segundo o IStories, foi uma retaliação à “Lei Magnitsky” dos EUA, que impôs sanções a autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky em 2009 e no desvio de bilhões de rublos do orçamento russo.
Antes da proibição, os americanos respondiam por cerca de 25% das adoções internacionais, acolhendo entre 600 e 1.400 crianças por ano. O impacto foi especialmente duro para crianças com deficiência: em 2012, 42% delas adotadas por estrangeiros iam para famílias americanas, segundo o IStories.
Enquanto as portas se fecham para o exterior, a adoção dentro da Rússia enfrenta seus próprios desafios. Em 2024, apenas 76 de cada 100 crianças colocadas em orfanatos encontraram uma família — o menor índice em 12 anos, excluindo o período da pandemia em 2021, segundo o IStories.
O site também destaca que o número de famílias russas dispostas a adotar caiu drasticamente: apenas 40 mil novas famílias entraram no banco de dados de potenciais pais adotivos em 2024, o menor número desde pelo menos 2010.
Outro dado alarmante é o aumento no número de crianças devolvidas aos orfanatos por pais adotivos russos. Se entre 2013 e 2014 a taxa era de 9 retornos para cada 100 crianças acolhidas, em 2024 esse número quase dobrou, chegando a 16 por 100, com 72% dos casos sendo iniciativa dos próprios pais.
O jornal Novaya Gazeta ponta que, apesar do aumento nos pagamentos a tutores após a “Lei Dima Yakovlev” — uma tentativa de compensar a saída dos estrangeiros –, o incentivo financeiro perdeu efeito.
Desde 2016, a proporção de crianças acolhidas por russos vem caindo ano a ano. Paralelamente, a Rússia tem intensificado a remoção de crianças ucranianas de territórios ocupados desde o início da guerra na Ucrânia, em 2022, oferecendo-as para adoção a famílias russas com cidadania e, em alguns casos, novas identidades.
Fonte: R7
Foto: Divulgação/Kremlin