A nove dias do início da aplicação de tarifas de 50% a produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos, o governo e especialistas defendem a abertura de negociações econômicas com o governo Trump para tentar reverter o cenário e evitar consequências mais graves, como demissões e perda de alimentos.
A economista Carla Beni, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), destacou que o Brasil é internacionalmente reconhecido pela postura aberta ao diálogo.
“Essa é a primeira questão. Mesmo quando falamos da Lei da Reciprocidade, o primeiro patamar da lei é o diálogo. O segundo é acionar os organismos internacionais, e só o terceiro é definir, com o comitê, quais seriam as medidas comerciais — e aí, sim, as retaliações a serem aplicadas”, pontuou, em entrevista à Record News nesta quarta-feira (23).
Carla também explicou que a situação deve ser pensada em “câmera lenta”, ou seja, passo a passo. Alguns dos principais produtos exportados pelos EUA são manga, pescado, carne e café. Por isso, segundo ela, o empresário deve analisar se a carga já embarcou, se o produto é perecível e se existe a possibilidade de redirecionar para outros compradores internacionais.
Um possível impacto nos empregos, segundo a especialistas, é uma preocupação posterior. “Enquanto tudo isso está acontecendo, não se vê, inicialmente, a necessidade de demissões. No Brasil, temos dois custos muito altos: a demissão e o treinamento. Depois, para recontratar e treinar, sai muito caro”, analisa.
A economista também classifica o cenário atual como um “grande jogo verborrágico”, com muitas ameaças, o que gera preocupação entre países envolvidos e exportadores, mas também trata-se de uma estratégia para conseguir negociar.
“Esse tipo de ameaça acaba levando à negociação, mas até essa estratégia já está se esgotando”, pondera.
Defesa ao diálogo
Para o presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil, Alfredo Cotait Neto, caso não haja um entendimento entre as nações, bater de frente com os EUA “seria um desastre total”.
O professor de economia Hugo Garbe explica que o Brasil é mais dependente economicamente dos Estados Unidos do que o contrário — o que limita a margem de confronto direto.
“O Brasil não tem capacidade econômica para entrar nesse embate com Donald Trump. A diplomacia brasileira precisa ser racional e estratégica neste momento, buscando trazer os EUA à mesa de negociação para tentar reduzir essa tarifa”, afirmou.
O mestre em finanças pela Universidade de Sorbonne Hulisses Dias analisa que qualquer sinal de insegurança jurídica ou restrição a empresas americanas pode reduzir o apetite de investidores estrangeiros, afetar a confiança do mercado e pressionar o câmbio.
Para ele, é desaconselhável que o governo aplique tarifas recíprocas, pois isso teria impacto altíssimo em diversos setores e prejuízo direto no crescimento econômico e na inflação.
“O Brasil deve buscar retaliações que possam ser inconvenientes para setores específicos dos Estados Unidos, mas que não prejudiquem a economia nacional e a operação de empresas americanas no país”, avalia Gomes.
Governo
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reafirmou que o Brasil continuará negociando com os Estados Unidos sobre a sobretaxa de 50% imposta a partir de agosto. Embora não haja intenção de retaliação imediata contra empresas ou cidadãos norte-americanos, Haddad mencionou a possibilidade de acionar a Lei de Reciprocidade.
Já o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, afirmou que as tarifas podem gerar um efeito positivo momentâneo para o consumidor, mas também tendem a desestimular os produtores — o que seria prejudicial para o país.
“As tarifas podem, sim, ter alguma influência momentânea [na queda da inflação dos alimentos], mas o que queremos é a redução dos preços por meio da competitividade. Ou seja, com mais produção em uma mesma área, com financiamento a juros mais baixos. Esse é o ganho que queremos alcançar”, afirmou o ministro.
Dias também lembrou que, historicamente, a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos sempre foi mais favorável aos norte-americanos.
“O que o presidente Trump está fazendo não tem nada a ver com uma medida econômica ou comercial. Na verdade, são ataques especulativos, fora de contexto. Por isso, acredito que é necessária uma investigação internacional, e que os países atacados devem se proteger nessa direção, claro, mantendo a diplomacia e o diálogo”, argumentou.
Fonte: R7
Foto: Divulgação/Porto de Santos