As reclamações relacionadas ao atendimento de pacientes autistas em planos de saúde registradas na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) aumentaram em mais de 10 vezes em cinco anos. Segundo dados levantados de forma exclusiva pelo R7 com a agência, os registros saltaram de 2.085 ocorrências em 2020 para 22.309 no ano passado. Apenas este ano, já foram 3.339 reclamações até fevereiro. A principal demanda dos pacientes envolve questões de reembolso, regras de acesso aos atendimentos, suspensão ou rescisão contratual e mensalidade e outras cobranças. Ana Karinna, recepcionista de 33 anos e moradora do Valparaíso de Goiás (GO), entende bem os desafios de um amparo real dos planos de saúde. O filho dela, Benjamin, de 2 anos, luta para conseguir o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista, já sugerido por diversos especialistas, mas que precisa ser confirmado com mais terapias e sessões médicas. “Tudo indica para o autismo, mas ele precisa fazer alguns exames e sessões também com o neuropsicólogo. E a gente foi atrás, mas em nenhum lugar conseguimos atendimento pelo plano de saúde”, explicou. Mesmo com os encaminhamentos que sugerem o transtorno, Karinna já está há um ano tentando fechar o diagnóstico e oferecer o suporte adequado ao filho. “Quando a gente vai pedir informação [ao plano de saúde], tem muita informação errada que passam para a gente”, lamenta. Queixas sobre cobertura para autistas em planos de saúde – Luce Costa/Arte R7 Levantamento dos dados Segundo a ANS, os dados levantados consideram os relatos das demandas inseridas no sistema da Agência pelos próprios reclamantes e “pode haver falsos positivos nesse quantitativo de demandas, ou seja, demandas que não são necessariamente reclamações sobre questões relacionadas a TEA”, pontua. A Agência reforça que age na defesa do interesse público e “é o principal canal de recebimento de demandas de consumidores de planos de saúde no país, sendo atuante na intermediação de conflitos entre beneficiários e operadoras, por meio da Notificação de Intermediação Preliminar (NIP)”. “A NIP é uma ferramenta criada pela Agência para agilizar a solução de problemas relatados pelos consumidores. Pela NIP, a reclamação registrada nos canais de atendimento da Agência é automaticamente enviada à operadora responsável, que tem até cinco dias úteis para resolver o problema do beneficiário, nos casos de cobertura assistencial, e até 10 dias úteis para demandas não assistenciais. Se o problema não for resolvido pela NIP e se constatado indício de infração à legislação do setor, será instaurado processo administrativo sancionador, que pode resultar na imposição de sanções à operadora, destacando-se, dentre elas, a aplicação de multa”, explica. A ANS destaca também que em julho de 2021 publicou a Resolução Normativa 469/2021, que garantiu aos beneficiários portadores de TGDs (transtornos globais de desenvolvimentos), no qual se inclui o Transtorno do Espectro Autista, acesso a número ilimitado de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, o que se somou à cobertura ilimitada que já era assegurada para as sessões com fisioterapeutas. “Nesse período, também foi instituído um grupo de trabalho na ANS para dar seguimento às discussões sobre o atendimento aos beneficiários com TEA na saúde suplementar. Em junho de 2022, a ANS determinou a obrigatoriedade de cobertura para quaisquer técnicas ou métodos indicados pelo médico assistente para o tratamento de pacientes com transtornos globais de desenvolvimento”, explica a agência. Em outubro de 2023, a ANS realizou uma audiência pública para debater, com todos os atores do setor, a assistência aos beneficiários da saúde suplementar com transtornos globais de desenvolvimentos, especialmente aqueles com TEA. “Dentre as ações propostas, muitas já estão em vigor, como a inclusão de uma seção temática no Mapa Assistencial da Saúde Suplementar. A partir desse acompanhamento, serão elaborados estudos sobre a evolução dos atendimentos de pacientes com TGDs, de modo a dar subsídios à ANS e a todo o setor em busca de aperfeiçoamentos e melhorias. A ANS reitera, portanto, que está atenta às necessidades e aos anseios de todos os beneficiários da saúde suplementar do Brasil e que segue atuando no constante aperfeiçoamento das normas vigentes”, afirma. Os direitos das pessoas autistas No Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, celebrado nesta quarta-feira (2), o R7 ouviu especialistas para comentar os direitos das pessoas com o Transtorno do Espectro Autista e a diferença que o acompanhamento adequado faz na vida dos pacientes. Especialista em direito do consumidor e saúde e membro de direito civil da OAB de Campinas, Stefano Ribeiro Ferri avalia que o aumento expressivo das reclamações reflete um problema recorrente: a dificuldade no acesso a tratamentos essenciais. “Os planos de saúde são obrigados a cobrir consultas, exames e terapias multidisciplinares indicadas para o tratamento do TEA, incluindo fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicoterapia e fisioterapia. O rol da ANS não pode ser interpretado de forma restritiva, conforme decisão do STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Ou seja, tratamentos essenciais devem ser cobertos mesmo que não estejam expressamente listados no rol”, explica. Ferri destaca que o limite de sessões para terapias essenciais ao tratamento do TEA foi derrubado judicialmente, o que significa que “o plano não pode restringir a quantidade de sessões, devendo ser observada a prescrição médica”. “A ANS estabelece prazos máximos para oferecimento de consultas e exames, como 14 dias para consultas com especialistas e três dias para serviços de diagnóstico por imagem. Se houver demora, o consumidor pode exigir que o plano custeie atendimento fora da rede credenciada”, diz. Ele ainda explica que se o plano não oferecer a terapia dentro da rede credenciada no prazo máximo, o consumidor pode buscar o serviço de forma particular e exigir o reembolso integral. O que não é direito? Ferri explica que os planos coletivos costumam ter reajustes abusivos, pois não há uma regulação direta da ANS. Por isso, é importante ficar atento à justificativa e à eventual possibilidade de judicialização do aumento. Sobre as coberturas não obrigatórias dos planos, ele explica que há algumas limitações e ocasiões em que o plano de saúde pode se recusar a cobrir os procedimentos, como terapias experimentais ou sem comprovação científica e tratamentos realizados fora da área de cobertura do plano, salvo em emergências. O especialista